quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Tomada de Porto Calvo

Depois da minha partida da Inglaterra, que teve lugar a 6 de dezembro, cheguei, graças a Deus, felizmente e com saúde ao Recife, no Brasil. Immediatamente tratei de levantar todas as tropas que as guarnições podiam dispensar e reunindo-as à pouca gente que commigo veiu, puz-me à frente de 3000 soldados, 800 marinheiros armados de fuzil e 600 brasilienses, com os quaes marchei contra o inimigo, cujo grosso achava-se postado perto do forte de Povoação em Porto Calvo, em numero de 3000 sem contar os habitantes.

A 18 de fevereiro encontramos, em um passo que deviamos atravessar, 1800 homens entrincheirados, bem providos de palissadas e com os flancos cobertos por abatizes. Atacamos os contrarios por tres lados differentes, e, com o auxilio de Deus, batemol-o com perda de 300 homens, entre os quaes muitos officiaes, havendo da nossa parte apenas 6 mortos e 35 feridos. Proseguindo na marcha em direcção ao forte, onde o Conde de Bagnuolo se tinha entrincheirado sobre dous outeiros proximos, verificamos ter abandonado estas trincheiras e haver retirado-se em grande desordem para as Alagôas deixando duas peças de bronze.

Depois de sitiar o forte e avisinharmo-nos com os nossos aproxes dos seus defensores, estes a 3 do mesmo mez, renderam-se mediante condições.

O governador era um hespanhol chamado Miguel Giberton, tenente general da artilharia... Dentro do mencionado forte encontramos 22 bonitas peças de bronze, 5 de ferro, 4 grandes morteiros, 372 granadas grandes, algumas granadas de mão, 500 barris de polvora e grande quantidade de murrões e outra munições de guerra.

Logo que a nossa gente estiver provida de viveres marcharemos ao encalço do inimigo afim de, com o auxilio de Deus, obrigal-o a transpor o Rio de S. Francisco.

Vosso leal e obediente servidor
MAURICIO, Conde de Nassau

No acampamento junto a povoação de Porto Calvo, 8 de março de 1637.

Carta de Nassau aos Estados Gerais, traduzida por Alfredo de Carvalho e publicada na Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano em 1902

terça-feira, 21 de agosto de 2012

D. Anna Paes

Apesar de proibido pelas autoridades da Cia. das Índias Ocidentais, ocorreu no Brasil holandês o relacionamento íntimo entre vários europeus e mulheres da terra. Em alguns casos houve até o casamento e a formação de famílias entre holandeses e luso-brasileiras.

Ficou bem marcado o casamento de Gaspar van Niehof van der Ley, batavo que adquiriu o engenho Algodoais no Cabo de Santo Agostinho, com Maria Gomes de Mello, filha de outro senhor-de-engenho. Desta união surgiu a família Wanderley.

O caso mais peculiar entre holandeses e brasileiros foi o de Anna Gonsalves Paes de Azevedo, filha dos portugueses Jerônimo Paes de Azevedo, senhor do engenho Casa Forte e Izabel Gonsalves Paes.

Com a invasão dos holandeses em 1630, D. Anna Paes que era casada com o capitão Pedro Correia da Silva, ficou viúva devido ao ataque ao forte São Jorge, na área do porto, onde seu marido morreu.

Apesar de educada nos moldes tradicionais, tinha uma cultura incomum para as damas da época, e herdando o engenho Casa Forte pode administra-lo de modo a mantê-lo entre os melhores de Pernambuco.

Em 1637 casa-se com o capitão Charles de Tourlon, comandante da guarda pessoal do conde Maurício de Nassau, com quem teve uma filha, Isabel de Tourlon. Haviam rumores que Anna tinha um romance secreto com o conde de Nassau. O fato é que Nassau acusou o capitão Tourlon de traição junto aos portugueses e o mandou de volta para a Holanda onde faleceu em 1644.

Ao tomar conhecimento da morte de Tourlon, D. Anna Paes casa-se pela terceira vez, em 1645, com Gilbert de With, conselheiro de justiça do governo holandês no Recife. Com ele teve dois filhos, Kornelius e Elizabeth.

Seus três filhos eram batizados na religião calvinista holandesa.

Expulsos os holandeses em 1654, Anna Paes foi considerada holandesa, teve seus bens imóveis confiscados mas pode embarcar para a Holanda com o marido e os filhos.

D. Anna Paes morreu no dia 21 de dezembro de 1674, aos 57 anos, em Dondrecht, Holanda, onde morava com sua família.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Real do Bom Jesus

Após o desembarque e conquista de Olinda e Recife pelos holandeses, as tropas luso-brasileiras sob comando de Matias de Albuquerque fogem em direção ao interior.

Para fazer frente aos invasores e impedir a conquista dos engenhos de açúcar mais afastados do litoral, Albuquerque determina ainda em 1630 a construção de um ponto forte em uma pequena elevação equidistante uma légua da vila (Olinda) e do porto (Recife), na casa que pertencia a Antônio de Abreu.

Segundo Diogo Lopes Santiago em História da Guerra de Pernambuco:
e para isso buscou um sítio acomodado em um outeiro aonde trabalhou tanto que em breve se fez, cercando-o de uma forte trincheira, com seus terraplanos, parapeitos, plataformas e esplanadas, donde se descortinasse o campo, fazendo-lhe duas cavas bem alteadas e fundas, e junto delas edificaram muitos moradores suas casas, para que com seu amparo pudessem ficar seguros do inimigo, e assim se fez em breve uma razoada povoação, fortificou e forneceu esta força com artilharia, em que havia algumas peças de bronze.

O local foi batizado de Forte Real do Bom Jesus ou Arraial do Bom Jesus. Deste ponto partiam os Terços de Emboscada, pequenos destacamentos que, utilizando táticas de guerrilha, atacavam as tropas holandesas que se aventuravam fora dos limites do Recife para coletar alimentos e lenha.

A partir de 1632 com a conquista de diversos pontos ao redor e do acesso ao rio Capibaribe, os holandeses montaram um cerco fechado ao Arraial e após baterem com sua artilharia demoradamente as defesas, obrigaram a rendição dos ocupantes do Forte Real no dia 08 de junho de 1635. Os sitiados não tinham mais nenhuma munição de guerra ou de boca, já tendo inclusive consumido os animais domésticos como cães, gatos e cavalos.

Foi assinado um acordo de rendição em que os holandeses, comandados pelo coronel polonês Chrestofle Arciszewski, garantiam aos luso-brasileiros sua vida e a posse de seus bens que pudessem carregar. Houve, no entanto, grande crueldade dos invasores que torturaram os rendidos em busca de ouro, prata e objetos de valor.

Atualmente o local é parte do Sítio da Trindade no bairro de Casa Amarela, tendo sido alvo de pesquisa arqueológica pela UFPE em 1968/1969 e 1988.