terça-feira, 15 de setembro de 2015

A Guerra da Fome

Uma das principais características da guerra pela posse do Brasil holandês foi a extrema falta de recursos materiais para o desenvolvimento das ações de ataque e contenção dos pontos de interesse de Portugal e dos Países Baixos. Segundo Gonsalves de Mello, a palavra “fome” era das mais comuns nos relatórios dos conselheiros e comandantes da Companhia das Índias Ocidentais - WIC no Recife.

Ao chegar ao litoral pernambucano em 1630, os combatentes da WIC encontraram um sistema de defesa inadequado para fazer frente ao grande exército enviado pelos neerlandeses, em que pese as vastidões das terras portuguesas no nordeste brasileiro. Ocupadas Olinda e o Recife, os invasores começaram a sentir a falta de mantimentos e até mesmo de água potável, já que a maioria das fontes fornecia água salobra.

Notando a dificuldade dos neerlandeses em receber suprimentos da Europa, os luso-brasileiros intensificam a guerrilha para impedir o acesso dos invasores aos locais de armazenamento de víveres, fruteiras e lenha. Isso sem contar a dificuldade inicial dos europeus em se adaptar aos alimentos da terra.

Aumentando as regiões ocupadas a partir de 1632 e a organização da conquista com a chegada de Maurício de Nassau em 1637, os holandeses passam a ter melhores condições de viver no Brasil holandês. Ainda assim, em suas cartas aos Estados Gerais e aos Heeren XIX, Nassau reclama da penúria por que passava o país. Os dirigentes da WIC no Recife tentaram transformar vários locais como Itamaracá, Alagoas e Fernando de Noronha em centros de cultivo de lavouras para abastecer os núcleos urbanos, mas sem sucesso.

Mesmo em Salvador, sede do governo colonial português, houve falta de alimentos quando, em 1639 o Conde da Torre aportou com sua esquadra e 3.000 homens que deveriam libertar Pernambuco dos invasores neerlandeses. Houve assalto dos soldados famintos às casas para saquear comida, o que descambou para estupros e assassinatos.

Os combatentes portugueses e brasileiros internados nas matas contavam apenas com os suprimentos vindos da Bahia e o que conseguiam em alguns engenhos de açúcar. No entanto, a política de terra arrasada empregada por ambas as partes, destruindo as construções, plantações e criação de gado dos aliados tanto de holandeses quanto de portugueses, contribuía para aumentar a falta de alimentos. O episódio da marcha das tropas de Luis Barbalho em 1640, que após duro combate naval desembarcou seus comandados no Cabo de São Roque, Rio Grande do Norte, seguindo pelo interior até o Rio São Francisco e daí até Salvador, ilustra bem esse tipo de ação.

Com a volta do Conde de Nassau para a Europa, em 1644, o desabastecimento volta a infernizar os que dependiam da Companhia das Índias Ocidentais para viver no Brasil holandês. Em 1645, tem início a Insurreição Pernambucana com o avanço das tropas luso-brasileiras em direção ao Recife.

Os estoques foram minguando a tal ponto, que os habitantes do Recife sitiado tiveram que recorrer aos animais, inclusive cachorros e ratos para ter o que comer. Em 1646, a situação chegou a um extremo em que os comandantes de dois navios que trouxeram suprimentos da Holanda para o Recife foram agraciados com medalhas de ouro onde estava gravado: O Falcão Dourado e o Elizabeth salvaram o Recife.

Dependendo da situação de momento, a deserção ocorria de ambos os lados com frequência, muitas vezes por causa da fome. Os portugueses ofereciam aos mercenários da WIC o pagamento dos soldos atrasados e rações duplas para os que trocassem de lado na guerra. As tripulações dos navios holandeses também se amotinavam por falta de provisões e retornavam com seus barcos para os Países Baixos, sem a autorização dos comandantes.

Após as duas batalhas dos Guararapes, 1648 e 1649, os neerlandeses tiveram suas tropas reduzidas a poucas companhias e o assédio ao Recife ficou mais apertado, mas por falta de apoio do Rei D. João IV, a guerra só teve seu desfecho cinco anos depois, com a rendição dos homens da WIC em 1654. Segundo relatório dos conselheiros da WIC no Recife: “A maioria dos soldados estava em farrapos, arrastando-se pelas ruas da cidade como mendigos e comendo as sobras encontradas nas sarjetas". A situação dos homens da Insurreição também não era muito melhor da que a dos holandeses, a diferença era que estes estavam lutando por sua terra e suas famílias, enquanto que os mercenários da Cia. das Índias Ocidentais estavam abatidos física e moralmente.

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