sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Porto Calvo

Porto Calvo, atualmente município de Alagoas, foi palco de intensas lutas entre luso-brasileiros e neerlandeses pela posse da região sul da então capitania de Pernambuco.

Distando 170 km ao sul do Recife, Porto Calvo foi povoado pelo alemão de Augsburg, Cristovão Lintz, por volta de 1560, quando percorreu o litoral sul da capitania de Pernambuco. Posteriormente foi erguida uma igreja e dez engenhos de açúcar na região. Servia de pouso para viajantes com destino ao Rio São Francisco. Também era conhecida como Povoação dos Quatro Rios ou de Nossa Senhora da Apresentação.

Em 1630 os holandeses, através da Companhia das Índias Ocidentais - WIC, invadem Olinda e o Recife e começam a ocupar as outras povoações de Pernambuco. Um ano depois, uma frota portuguesa desembarca cerca de mil homens em Barra Grande, que seguem para Porto Calvo a fim de juntarem-se às tropas de Matias de Albuquerque. Daí, marcham para o Cabo de Santo Agostinho, porto que ainda estava em mãos portuguesas. O espião brabantino Adriaen Verdonck, radicado em Olinda, descreve o povoado de Porto Calvo como grande produtor de gado, que periodicamente é trazido ao Recife, além do cultivo de fumo.

Uma expedição holandesa chega a Porto Calvo em 1632, procedente de Porto de Pedras, na foz do Rio Manguaba, que dá acesso àquele povoado. Após apresar açúcar e outras mercadorias, os invasores queimam os armazéns e voltam ao Recife. Neste mesmo ano, entra em cena o mais famoso personagem de Porto Calvo, o mestiço Domingos Fernandes Calabar. Profundo conhecedor da região, das táticas de guerrilha dos luso-brasileiros e com fácil diálogo com os índios, passa para o lado neerlandês e começa a levar os invasores a conquistar vitórias em toda a capitania de Pernambuco e nas terras vizinhas.

Nova incursão neerlandesa na região de Porto Calvo, em 1633, sob comando do sargento-mor Cloppenburch e acompanhada pelo conselheiro Johan Gijsselingh, apreende grande estoque de açúcar. Já em 1634 Matias de Albuquerque ordena a construção de uma fortificação de faxina e terra no povoado. Ainda em 1634, o coronel alemão Sigmund von Schkoppe e o almirante Lichthart deslocam tropas para aquele local, onde travam combate com os luso-brasileiros e tomam mais açúcar em Matriz de Camaragibe, 20 km ao sudoeste de Porto Calvo.

Em 1635 a situação das forças de resistência é desesperadora. O Arraial do Bom Jesus está cercado e quase sem mantimentos de boca e de guerra. Em Porto Calvo os mercenários da WIC derrotam os homens do Conde de Bagnuolo e fortificam o alto onde está a igreja. Em 08 de junho o Arraial do Bom Jesus rende-se às tropas do coronel Chrestofle Arciszewski. Matias de Albuquerque, então na região de Vila Formosa, hoje Serinhaém, recebe os retirantes e forma uma coluna com destino às Alagoas e daí para a Bahia.

Os neerlandeses, tendo conquistado também o Forte de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, seguem para o sul da capitania. Em 19 de julho as tropas de Matias de Albuquerque tomam o forte de Porto Calvo. Aí prendem Calabar que é sumariamente julgado e condenado como traidor, sendo garroteado e esquartejado. Seus restos mortais foram pendurados na estacada do povoado. Chegando ao local dois dias depois com suas tropas, o coronel Arciszewski manda recolher os despojos de Calabar e enterra-los com honras militares.

No ano seguinte, em 17 de janeiro, ocorre a batalha de Mata Rendonda, duas milhas ao sul de Porto Calvo. Os homens de Arciszewski, derrotam os soldados do mestre de campo general D. Luiz de Rojas y Borjas, que havia substituído Matias de Albuquerque no comando do exército luso-brasileiro em Pernambuco. Borjas é morto no combate, havendo relatos de que foi vítima de fogo amigo. Em 12 de abril do mesmo ano, Duarte de Albuquerque eleva à condição de vila a povoação de Porto Calvo, que passa a se chamar de Vila do Bom Sucesso.

O Conde Maurício de Nassau aporta no Recife no dia 23 de janeiro de 1637. Apenas treze dias depois, Nassau ordena o ataque ao exército luso-brasileiro postado ao sul de Pernambuco. Soldados e índios comandados pelo coronel Von Schkoppe marcham para Porto Calvo a fim de combater as forças do Conde de Bagnuolo, formadas por portugueses, espanhóis, napolitanos, índios e negros. Outros oitocentos homens da WIC seguem por mar, ao comando de Arciszewski. O comando geral da expedição é do Conde de Nassau. Após três semanas de combate o grosso das tropas, juntamente com Bagnuolo, foge em direção ao Rio São Francisco, ficando novamente Porto Calvo em mãos dos neerlandeses.

Em 1645 começa a Insurreição Pernambucana, movimento liderado pelos senhores de engenho contra o domínio holandês, motivado pelas gigantescas dívidas deles para com a WIC. Em 16 de agosto os luso-brasileiros cercam o Forte de Porto Calvo, que só se rende aos insurretos em 17 de setembro. Oito canhões de bronze do forte são enviados ao Arraial Novo do Bom Jesus, então em construção.

A partir daí, Porto Calvo não mais troca de mão, sendo os holandeses derrotados por completo em 1654, assinando a rendição no Recife.

domingo, 12 de novembro de 2017

Josué de Castro

Nasci (no Recife) numa rua que tinha o nome ilustre de Joaquim Nabuco, o grande abolicionista dos escravos, nos tempos do Império. A casa em que nasci tinha ao lado um grande viveiro de peixes, de caranguejos e de siris. Se não nasci mesmo dentro do viveiro, como os caranguejos, já com dois anos estava dentro dele.


O grande Recifense Josué Apolônio de Castro nasceu no dia 05 de setembro de 1908 e atuou como médico, geógrafo, professor e principalmente, no combate à fome. Escreveu livros traduzidos em todo mundo: Geografia da Fome, Geopolítica da FomeSete Palmos de Terra e Um Caixão e Homens e Caranguejos.

Foi presidente do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e Embaixador brasileiro na ONU.

Foi deputado federal por Pernambuco em dois mandatos. Durante o Regime Militar teve cassados seus direitos políticos enquanto era embaixador em Genebra, indo asilar-se em Paris. 

Recebeu o Prêmio Franklin D. Roosevelt da Academia de Ciências Políticas dos Estados Unidos, o Prêmio Internacional da Paz do Conselho Mundial da Paz e a comenda de Oficial da Legião de Honra da França. Foi indicado ao Premio Nobel da Paz nos anos de 1953, 1963, 1964 e 1965.

Faleceu ainda em Paris em 24 de setembro de 1973, estando enterrado no cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro.


Bem ao lado da casa começava a zona compacta dos mocambos, das choças de palha e de barro, amontoadas umas por cima das outras num enovelado de ruelas, numa anarquia desesperadora. As casas entrando por dentro da maré, a maré invadindo as casas. Os braços do rio passando pelo meio da rua e a lama envolvendo tudo.

Criei-me nos mangues lamacentos do Capibaribe cujas águas, fluindo diante dos meus olhos ávidos de criança, pareciam estar sempre a me contar uma longa história.


Eu ficava horas e horas imóvel sentado no cais, ouvindo a história do rio, fitando as suas águas correrem como se fosse uma fita de cinema. Foi o rio o meu primeiro professor de história do Nordeste, da história desta terra quase sem história. A verdade é que a história dos homens do Nordeste me entrou muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos. Entrou-me por dentro dos meus olhos ávidos de criança sob a forma destas imagens que estavam longe de serem sempre claras e risonhas. Josué de Castro, 1967.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Os Engenhos de Açúcar

Cuthbert Pudsey foi um mercenário inglês a serviço da WIC no Brasil desde a invasão em 1630, permanecendo até 1640 quando segue para as Antilhas, volta a Pernambuco e então retorna à Europa. Escreveu um diário onde narra a viagem marítima até Pernambuco, e descreve o país, seus habitantes, animais e plantas, além dos combates pela posse da terra:

Agora inventaram os engenhos para moer suas canas de açúcar. Seus escravos devem plantar e cortar sua cana, que só necessita ser plantada uma vez a cada sete anos.

Fundidores para fundir suas caldeiras. Pedreiros para fazer os fornos. Carpinteiros para fazer baús. Outros apressam-se a erguer igrejas. Em cada engenhou uma capela, uma escola, um padre, um barbeiro, um ferreiro, um sapateiro, um carpinteiro um marceneiro, um oleiro, um alfaiate, e todos os outros artífices necessários. Pois cada engenho é como um estado em si mesmo e o senhor do engenho justiceiro e juiz em si mesmo.

Quando o engenho mói, ha uma roda que gira por meio de água ou de bois, que movem dois grandes pilares que são construídos redondos, reforçados com ferro, dispostos de modo a estarem próximos um do outro sem se tocarem. E entre esses pilares costuma-se alimentá-los com as canas por dois ou três escravos que passam e repassam a cana. O suco é destilado em certas calhas que o levam até as caldeiras, que trabalham em sequencia, escumando e refinando essa sopa até que ela chega ao ponto de açúcar.

Costumam então, depois que ele está frio e espesso, colocá-lo em formas, e sobre estas, depois de ter ficado certo tempo, tem uma espécie de ciência de fazer uma mistura de cinzas de madeira e óleos com a qual cobrem suas formas para tomar seu açúcar branco e para fazer com que a escória purgue dele. Então, após ter ele estado por cerca de 4 meses no armazém para purgar, sacam-no das formas & quebram-no, secando-o ao sol, o que o torna tão branco como a neve. Feito isto, pesam-no & põem-no em caixas adaptadas para a venda.

Cuthbert Pudsey, Diário de uma permanência no Brasil